Joaquim se formou em direito e continua engraxando nas ruas de Goiânia (Foto: Adriano Zago)
Jovem se forma em direito e continua
sendo engraxate. Ele pagou faculdade com o que ganha limpando sapatos,
até R$ 2 mil por mês. Objetivo é passar no exame da OAB e, no futuro,
ser promotor de Justiça.
Com o dinheiro que ganhou limpando sapatos de profissionais como juízes,
desembargadores e advogados, o engraxate Joaquim Pereira, de 24 anos,
acaba de se formar em direito em uma instituição particular de Goiânia.
Mesmo com o diploma em mãos, ele não abandonou o ofício que aprendeu
quando era criança e que lhe rende cerca de R$ 2 mil por mês.
Agora, o objetivo é se preparar para passar no Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e, depois, continuar estudando para ser
promotor de Justiça. “Não quero ser qualquer profissional”, ressalta.
Até lá, o jovem comunicativo e bem-humorado continuará cativando seus
clientes como engraxate nas ruas do centro da capital. Sem deixar a
vaidade de lado, já que uma das suas peculiaridades é trabalhar sempre
bem vestido, com calça, camisa e sapatos impecáveis.
Ao deixar a cidade de Monte de Alegre de Goiás, na região nordeste do
estado, em 2006, o jovem não se imaginava formado. Joaquim lembra que
quando saiu da sua cidade natal para morar na capital tinha a esperança
de que logo seria contratado em uma empresa e se tornaria um
profissional de destaque. Mas viu que não era bem assim. Ele demorou
três meses para conseguir emprego em uma fábrica de enxovais. Quando
recebeu o primeiro salário mínimo, concluiu que não era o suficiente
para se manter em Goiânia. Na época, ele morava com o irmão. “Vim pra
trabalhar. Depois, vi que precisava estudar para crescer, para ter um
emprego melhor”, conta.
Entre as coisas que tinha trazido do interior estava a caixa de
engraxate, pois sabia que talvez precisasse usá-la. Em Monte Alegre de
Goiás, ele apreendeu a profissão observando. Aos 11 anos começou a
limpar sapatos quando queria comprar uma roupa ou um tênis. Apesar de
trabalhar esporadicamente, ganhou experiência.
Devido à insatisfação com o emprego, ele decidiu, em um sábado, ir para
as ruas de Goiânia e ver como se sairia de engraxate. “Ganhei R$ 20 e
atendi umas dez pessoas. Mesmo não sendo muito, fiz as contas e vi que
podia render”, afirma. Segundo ele, na segunda-feira, três meses após
ser admitido na fábrica, pediu demissão. “Indagaram porque eu retrairia
tanto. Pensaram que eu estava revoltado”, lembra. O jovem comenta ainda
que não foi uma decisão fácil, pois teve medo de ser rejeitado. “Tive
medo da reação dos meus amigos e dos colegas”, diz.
No primeiro semestre que trabalhou como engraxate, Joaquim terminou o
ensino médio em uma escola pública de Goiânia e começou um curso de
webdesigner, mas não gostou. Enquanto isso, a profissão de engraxate
deslanchava.
Samba da vitória
As pessoas para quem engraxou sem cobrar nada nas primeiras vezes se
tornaram seus clientes. A simpatia e a abordagem especial atraíram
muitos outros e fez com que ele ficasse conhecido nos locais onde
trabalha como na Praça Cívica, onde está o Centro Administrativo do
Governo de Goiás. O “samba da vitória”, som que ele faz com um pano ao
polir os sapatos, virou sua marca registrada . Joaquim conquistou uma
clientela fixa. De R$ 20 por dia, ele passou a faturar até R$ 100.
Depois de um ano limpando sapatos, Joaquim decidiu que entraria para uma
faculdade de direito. “Vendo o dia a dia dos advogados e conversando
com eles, concluí que queria ser um deles”, afirma. A decisão de
ingressar em uma universidade foi criticada por muitos conhecidos.
“Falavam que eu não daria conta de terminar, que era muito difícil e
caro”, conta. No entanto, ele persistiu com o sonho de se formar, passou
no vestibular e começou, em 2008, o curso de direito em uma instituição
de ensino particular. “Se a gente quiser ter sucesso na vida, tem que
se submeter ao risco”, ressalta.
Joaquim afirma que os cinco anos da faculdade não foram fáceis. “Já na
primeira prova tirei zero. Aquilo me baqueou, até pensei em desistir,
mas falei ‘vou estudar’, e assim fiz”, recorda-se. Ele estudava de
manhã, e à tarde ia trabalhar como engraxate até as 19h, pois precisava
ganhar dinheiro para pagar o curso.
Além de estudar e trabalhar nas ruas, Joaquim tinha de cumprir suas
tarefas domésticas, como lavar roupa e arrumar a casa. O irmão dele se
casou e ele foi morar com um amigo, no Centro de Goiânia. O bacharel em
direito ainda conta que separava um tempo para tocar violão e estudar
música, que é uma de suas paixões. Ele é evangélico e gosta de cantar na
igreja. “Tem que ter disciplina para ter tempo de fazer tudo”, ensina.
A ajuda para pagar a faculdade veio no 7º período, quando ele conseguiu
uma bolsa da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Na mesma época,
ele também conseguiu um estágio na Procuradoria Geral do Município por
indicação de um cliente, onde trabalhou até dezembro do ano passado.
Apesar do trabalho, ele continuou a engraxar nos horários livres.
A colação de grau ocorreu no último dia 19, na capital goiana. “Foi
extraordinário. Estou muito feliz”, comenta. Os pais de Joaquim vieram
de Monte Alegre de Goiás para prestigiar o filho. Ele, que é o caçula da
família, também contou com a presença de um, dos três irmãos. “Eles
estão muito orgulhosos de mim, do que conquistei”, ressalta. No evento,
Joaquim ainda foi homenageado pelo reitor da instituição de ensino. O
jovem engraxate foi o aluno destaque da turma.
Sonhos
Mesmo formado, Joaquim não se importa de engraxar sapatos nas ruas de
Goiânia. O jovem tem a admiração de seus clientes. “Ele é um exemplo de
que nada é impossível. Poucas pessoas têm a capacidade e o esforço de
concluir um curso superior engraxando sapato”, ressalta o advogado
Aldemir Leão da Silva. O rapaz garante que exercerá a função até
encontrar um bom emprego, com boa remuneração.
Inicialmente, o objetivo é passar no exame da OAB para ter seu registro
de advogado e poder exercer a profissão que escolheu. Devido ao seu
esforço, o jovem ganhou um curso preparatório para a prova, que ocorrerá
em agosto. As aulas serão julho.
Depois de fazer a prova, Joaquim vai começar uma pós-graduação. Ele
ganhou bolsa integral da especialização, que, se ele fosse pagar,
custaria cerca de R$ 9 mil. Joaquim sonha alto, ele quer se tornar um
promotor de Justiça. “Vou continuar estudando cada vez mais para passar
em um concurso e ser promotor”, reforça.
Com o dinheiro de engraxate, ele também conseguiu tirar a Carteira
Nacional de Habilitação. Esse é um primeiro passo para alcalçar outro
objetivo, o de trocar a bicicleta por um carro.”Quando se sonha, se tem
um objetivo e não desiste, as coisas acontecem”, ressalta.
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